Umas decisões eram esperadas, como a saída do Acordo de Paris, de onde tinha afastado os EUA na primeira passagem pelo poder, entre 2017 e 2012, e o sucessor Joe Biden tinha voltado a aderir para ainda tentar salvar o planeta da degenerescência climática.
Outras foram um tiro à queima-roupa na sensatez, como a saída da Organização Mundial de Saúde (OMS), responsável por acudir às mais agudas crises de saúde pública em todo o mundo, como foi o caso da COVID-19, ou a suspensão de toda a ajuda humanitária norte-americana para reanálise.
Ou ainda a decisão de anular todas as limitações legais à extracção de petróleo, gás e carvão nos EUA, enterrar todas as ajudas à compra e produção de carros eléctricos, e aos programas de incentivo ao desenvolvimento de energias alternativas à queima de combustíveis fosseis.
Isto, mesmo quando o chão que pisa já tenha começado a arder como ficou claro nos devastadores incêndios de Los Angeles, na Califórnia, que destruíram milhares de hectares de florestas e bairros inteiros das imediações de Hollywood, matando dezenas de pessoas, e que os especialistas não têm dúvidas de que são fruto das alterações climáticas...
Umas já as tinha anunciado e o mundo, já numa espécie de torpor devido ao efeito Trump, recebeu com um encolher de ombros, como o salvo-conduto para as largas centenas de indivíduos que em seu nome tentaram, a 06 de Janeiro de 2021, invadir o Congresso, naquilo que foi uma clara e mortífera tentativa de golpe de Estado.
Rajada de decretos presidenciais
Tudo isto e muito mais foi dito e feito com assinaturas disparadas a sangue-frio em decretos presidenciais às centenas, logo após ter sido oficialmente empossado, perante uns atónitos Joe Biden e a sua vice-Presidente, e candidata democrata derrotada a 05 de Novembro último.
Sem se esquecer de reforçar, agora já como 47º Presidente da maior potência militar do mundo, o anúncio dramático de que vai recuperar para a tutela dos EUA o estratégico Canal do Panamá, acusando a China de dominar esta infra-estrutura vital, ou ainda a repetição da ideia de necessidade existencial da tomada, a bem ou a mal, da Gronelândia à Dinamarca.
Sobre a guerra na Ucrânia, o tema mais mediático dos últimos três anos em todo o mundo, optou por manter um tom dúbio, de forma a não fechar portas a qualquer saída para o mais violento conflito na Europa desde a II Guerra Mundial, mas insistiu num ponto que pode ser traduzido por uma vontade clara de agir, afirmando que quer ficar conhecido como "o pacificador".
Donald Trump foi, ao longo do seu discurso oficial de tomada de posse, e depois, durante o televisionado "show" da assinatura das dezenas de ordens executivas, atirando frases de laboratório para o "ar", como quando proclamou que o declínio da América acabou ou que estava a começar uma era dourada para os EUA.
"A idade de ouro dos EUA começa agora e seremos respeitados de novo em todo o mundo. Seremos a inveja de cada nação, e não permitiremos que tirem partido de nós nem mais um dia", disse, acrescentando que ninguém deve duvidar que vai colocar "a América primeiro".
Olhos postos na fronteira sul
Não deixou em mãos alheias a sua jóia da coroa, que são as anunciadas exaustivamente expulsões de milhões de imigrantes ilegais, ordenando uma situação de emergência para a fronteira com o México, com o exército a patrulhar a linha de fronteira sul, ou ainda a bizarra mudança de nome do Golfo do México para Golfo da América... por decreto.
Pelo meio, disparou mais uma ordem executiva que retira às crianças nascidas nos EUA o direito à nacionalidade se não forem descendentes de progenitores norte-americanos, voltou a meter Cuba na disparatada lista dos países financiadores de terrorismo e inseriu os cartéis da droga na lista das organizações terroristas internacionais.
Tantos decretos presidenciais assinados em catadupa só poderão ser devidamente digeridos e analisados nas suas consequências ao longo dos próximos dias, mas há um elemento que, a partir do continente africano, sobressai, que é a ausência de qualquer referência a África.
Isto, depois do agora ex-Presidente Joe Biden ter, como foi expressivo com Angola, procurado retomar as ligações ao continente que, durante duas décadas, foi negligenciado por todas as Administrações norte-americanas desde Bill Clinton, 1993-2001, podendo ser lido como mais um corte radical com as políticas do seu antecessor.
Musk o africano, Musk, o nazi
Porém, aqui há um elemento que pode mudar tudo de um momento para o outro, porque quando Joe Biden lança o seu plano de "reconquista" de África, cujo pilar principal foi uma aproximação a Luanda, o foco estava na ligação à RDC e às suas riquezas abissais através do Corredor do Lobito.
E entre os recursos congoleses mais cobiçados estão os estratégicos para as indústrias 2.0, desde a aeronáutica e espacial aos veículos eléctricos, coltão, cobalto e os 17 minerais agrupados como "terras raras", que o actual "preferido número 1" de Trump, o bilionário de origem sul-africana Elon Musk, tem claramente debaixo de olho.
O homem que muitos analistas já consideram o de facto nº2 da Administração Trump, e que ousou fazer a saudação nazi de braço direito esticado perante milhares de pessoas durante as cerimónias de tomada de posse de Trump, vai, seguramente, convencer Trump que África é fundamental para os seus projectos.
Que, alias, como Trump disse, são também os seus, porque o 47º Presidente apontou como meta das suas políticas estratégicas "colocar a bandeira dos EUA espetada no solo do Planeta Marte", tirando um vigoroso grito de vitória de Elon Musk, que dançava de contente na plateia da elite trumpista.
As reacções
De todo o mundo, chegaram reacções às palavras de Trump, e em especial das outras duas grandes potências, como a Rússia e a China, mas também do Presidente do Panamá, José Raúl Mulino, que voltou a dizer a Trump que o Canal do Panamá nem está a à venda nem pode ser negociado na sua soberania panamense, ou ainda da Dinamarca, menos efusiva, com o Governo de Copenhaga a reafirmar a sua geosoberania sobre a gigantesca ilha do Ártico.
Em Moscovo, o Presidente Vladimir Putin aproveitou o apropriadamente agendado encontro do seu Conselho Nacional de Segurança para saudar e valorizar a disponibilidade mostrada por Trump para retomar o diálogo com a Rússia.
Nessas declarações abrangentes e sem apontar a qualquer das afirmações do seu "amigo" americano, Putin sublinhou ainda a decisão de Trump tudo fazer para evitar uma III Guerra Mundial, congratulando-o pelo regresso à Casa Branca.
Putin disse estar totalmente disponível, como também já Trump disse estar, para engatilhar conversações sérias sobre a guerra na Ucrânia, embora os media russos estejam a noticiar estas frases do chefe do Kremlin com um sublinhado para o facto de o Presidente norte-americano ter optado por ser claramente dúbio sobre este tema agora que voltou a ocupar oficialmente o cargo.
Já o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, quase ao mesmo tempo, apontava para a importância das decisões de Trump no redesenho da Ordem Mundial, especialmente no que diz respeito ao conflito na Ucrânia e no Médio Oriente.
Lavrov aproveitou para dar uma alfinetada nos aliados ocidentais dos EUA, de quem disse serem obedientes e alinhados com a posição dos EUA seja ela qual for, e que, por isso, aguardam para ver de que forma Trump se posiciona para o seguirem.
Também a China já reagiu às primeiras horas de Trump na Sala Oval da Casa Branca, tendo o ministério dos Negócios Estrangeiros, no seu "briefing" diário, através do porta-voz Guo JIakun, manifestado preocupações pela saída dos EUA do Acordo de Paris sobre o clima global.
Jiakun apontou ainda como negativa a saída dos EUA da Organização Mundial de Saúde que, para Pequim, deve ser reforçada e não fragilizada.
Sublinhando estes dois temas, a diplomacia chinesa opta por resolver o problema da reacção sempre esperada de Pequim mas deixa para mais tarde a abordagem aos temas mais melindrosos, como as guerras de tarifas que o Presidente dos EUA vai declarar a chineses e europeus, ou o imbróglio de Taiwan ou ainda os conflitos no Médio Oriente e na Ucrânia...
Apesar de ser tudo ainda muito "fresco", depois da maratona de assinaturas de decretos presidenciais, quando Trump dizia, horas antes da tomada de posse, que o mundo tinha um show de televisão pela frente, provavelmente foi mal interpretado... não era apenas para as horas subsequentes que prometia boas horas de TV, era para os próximos quatro anos...